quarta-feira, outubro 18, 2006

Pluma


Para Rona


Então, o anjo dá uma gargalhada e grita: “é agora!”. E sai ventando sem esperar pelo milagre. Manutenção é trabalho humano.
Enquanto a última pena de asa não desaparece na poeira, tudo pode acontecer. A mulher do executivo dá à luz três gêmeos xifópagos que recusam cirurgia. A sequóia cresce na horizontal, como uma gigantesca planta rasteira, e invade a BR-3. O anel de noivado cai do bolso do rapaz e rola até os pés do garçom, que retribui com um sorriso apaixonado. O gato prestes a cair do telhado dá risada e sai voando. A chacoalhada mais forte do ônibus lotado faz reviver o corpo de uma senhora que já julgava as alegrias úmidas para sempre perdidas. O mau aluno escreve poemas na aula de matemática e descobre a fórmula de uma nova vacina. A gente encontra um velho amigo que nunca viu antes e celebra.
É a última pena do anjo, aquela que flutua na poeira da estrada, ainda misturada com cheiro de gasolina e mundo.
A única capaz de produzir milagres reais.

Rosa Amanda Strausz

2 comentários:

Ronaldo Monte disse...

Já nos encontramos, já comemoramos. Somos já velhos amigos. Bendita pluma. Um beijo. Rona.

Anônimo disse...

Se toda pluma carregasse essa leveza, esse leque de motivações ficcionais, já seria motivo de brinde. A sua pluma é belíssima. Beijo!