Suely não se achava paranormal. Ou talvez um pouco: mas estava na ordem tão prática dos seus dias, que aqueles fenômenos sabiam mais a variações de humor. Vivia trancada em casa, não tinha veleidades de buscar mudanças de rotina numa cidade do interior. Poucos a conheciam de rosto, muitos de nome. E aumentavam seus feitos. Responsável pela queda do obelisco na noite de natal. Rachaduras na Prefeitura. Prejuízo para os donos de bicicletas, com os aros retorcidos. A boataria incomodava a família, mas a vida seguia o seu curso.
Não havia muito que fazer. Em cidade do interior, escolhem a lenda, deixam os fatos de fora. A velha casa e a família há muito formam uma imagem de janelas mortas, jardins crestados, ferrugem no portão. Suely, de um momento para outro, rangia seus ossos e arrastava (agora com esforço e com as mãos) uma cadeira de balanço para o quintal, para tomar um gole de sol. Volta e meia, em algum ano memorável, balança o lustre, curvam-se velhos álbuns, uma vassoura varre o assoalho. Suely nem se dá conta, de pálpebras cerradas num cochilo, do ciúme dos fantasmas que foram relegados em segundo plano.
André Ricardo Aguiar