Na terça, era o boticário. Arnica, boldo, camomila e cidreira. Desses ingredientes fazia uma infalível panacéia que aliviava os músculos doloridos pelo riso.
Mas a beberagem deixava as pessoas meio tristes, semi-apaziguadas. Então, na quarta, se enfiava na casaca de cetim e era o empresário que promovia o grande baile do meio da semana, onde a população sonolenta espantava o tédio dançando e pulando até acabar com os pés.
Na quinta, botava peruca e bigode, e chegava andando pela estrada de terra batida. Era o famoso calista que assistia o povo uma vez por semana. Trabalhava duro e recomendava um fim-de-semana moderado, cadeiras na varanda e conversa fiada.
Sexta das Paixões era o nome da birosca que só abria nesse dia. Mesinhas espalhadas pela rua, torresminho e cachaça. Ninguém resistia. Até as moças iam lambiscar a água que passarinho não bebe. E a farra corria pela madrugada, devidamente lavada pela branquinha do santo.
Por falar em santo, sábado era dia de abrir o terreiro e baixar o preto velho. Santo preto velho!... Curava ressacas físicas e morais cercado de velas e batuques selvagens.
Domingo, na impossibilidade de descansar, como um verdadeiro deus o faria, era o padre. Seus sermões eram solenes e terríveis. A voz grave, onde se mesclavam sotaques de idiomas vários, prometia o fogo dos infernos a quem se deixasse levar pelos agrados e enganos de Satanás que, como se sabe, tem mil faces e nenhuma piedade.
in Mínimo Múltiplo Comum, JO Editora, 1990
Rosa Amanda Strausz
2 comentários:
Rosa,
Estive na UFRJ ouvindo você falar. Li seu livro Sete ossos e uma maldição de um fôlego só. Adorei, assim como adorei este conto de Mínimo Múltiplo Comum. Só aumentou a minha vontade de conseguir o livro.
Beijos
Que ótimo encontrar um conto do MMC! Quando o livro vai ser reeditado? Tenho só uma xerox, dessas com encadernação em espiral, dele. Mesmo assim, já gastinha. Adorei ver um conto aqui, mas queria mesmo era ter o livro inteiro ...
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