segunda-feira, setembro 11, 2006

Domingo

Nem começou a chover: o sonho do orvalho. Na falta de um sabiá, uma surra canta no quintal do vizinho, o menino pede, na cabeça não! O sorveteiro xinga o calor, o vento dá três tapinhas na saia da menina, cora de vergonha. Perto do meio dia as sombras recolhem as anáguas, suas partes íntimas. Aposta-se em chuva e futebol gorado.

Há quem jure de pés juntos que domingo é uma caixa de sapatos. Alguns, de audição mais apurada, pensam ouvir um trote, um cavalgar. Mas os fantasmas fazem a mesma manicura, e riem, fofoqueiros. Domingo é dia de usá-los com moderação. Vovó busca aquele ponto perdido no tricô. As janelas suam, a professora corrige as provas, uma massa de poeira atropela o guarda. Não há multas.

Os dez mandamentos se esconderam em meia garrafa de vinho. Dia do Senhor, mas que senhor ousaria vingá-lo, sofrê-lo? Um galo vai à panela, segunda não se canta. Quem casa, além de casa, quer caso. A amásia pede o cigarro, leva cinco facadas. Os vizinhos não ouvem a torneira, restos de sangue devorados pelo ralo.
A cigarra zine, o vento zune, o homem zum.

O menino, com os cacos do amor-próprio, deixa o bilhete do sorveteiro com a mãe. Sobressaltada, manda o filho curtir o domingo.


André Ricardo Aguiar

4 comentários:

Anônimo disse...

belo conto, andré. domingo é tudo isso e muito mais, sim. abraços

Anônimo disse...

Prova de que há possibilidades ficcionais até para um dia parado como o domingo. Abraço.

Anônimo disse...

Ô, fulô de laranjeira!... Tu escreves de um jeito tão gostoso que dá vontade de comer! (As palavras, é claro, hehehe!)
Amei este blog! Virei mais vezes!

Anônimo disse...

massa andres! esse domingo é movimentado. os meus dão uma preguiça... nada a ver. beijoca