quinta-feira, agosto 17, 2006

Poema voa?


O rapaz entrou na biblioteca e devolveu o livro. Deixou esquecido entre as páginas um poema escrito por ele, na esperança de que alguém gostasse.
Não funcionou. A menina entediada pegou o livro emprestado, encontrou a folha, achou o poema uma porcaria, fez um avião de papel e botou na pista de terra para ver se voava.
Não voou. Mas o pescador viu a folha caída, dobrou em forma de barco e botou na poça dágua. Queria ver se navegava.
Não navegou. Mas o jogador de futebol passou por ali, gostou do papel molhado, amassou, e ele virou bola. Queria ver se rolava.
Não rolou. A chuva aumentou, o papel se dissolveu e ficou só o poema. Mas a formiga achou que as palavras eram de açúcar e as levou para dentro do formigueiro. Queria agradar a rainha.
Não agradou. Mas o tamanduá meteu a língua no formigueiro e comeu o poema. Teve indigestão e foi ao médico. O doutor explicou que literatura é péssimo para o estômago e lhe deu um purgante. Queria ver se o paciente obedecia.
Não obedeceu. O tamanduá leu a bula e decidiu não tomar o remédio.
Preferiu adoecer de poesia.

Rosa Amanda Strausz
Este conto está sendo ilustrado pela imagem de uma placa de cerâmica da artista plástica Edineusa Bezerril, que se encontra em www.docedeletra.com.br/edineusa

6 comentários:

Anônimo disse...

...voa, sim!
E quem não preferiria adoecer dessas poesias em prosa que aqui estão?
Mais uma vez brilhante!

Anônimo disse...

De palavra em palavra, de fábula em fábula, de sonho em sonho, você, minha cara Rosa, vai construindo a sua poética das imprevisibilidades. Um beijo.

Anônimo disse...

Segundo importante artigo intitulado "Como reconhecer um poema ao vê-lo", de autoria não lembrada, a capacidade de poemas e aviões voarem está diretamente proporcional à sensibilidade extrema de quem monta estes artefatos baseados em fatos supravividos. Como diria um mestre oriental: qualquer pedaço de céu já garante um vôo. Parabéns!

Anônimo disse...

Adoro esses fios imprevisíveis que você cria. A gente segura na ponta e nunca sabe onde vai parar. No fim, sempre vale a viagem.

Anônimo disse...

Ô Rosa, eu que acabei de adoecer de literatura, sinto-me totalmente identificada com o seu tamanduá! Como você vê, já recebi alta e corri pra apressar minha convalescança lendo Fabula portátil! Beijo.

Unknown disse...

Já publicou algum livro?
Já?