segunda-feira, agosto 28, 2006

O anão roubado

Em uma tarde, foram ao circo. O pai cobria o filho de presentes: balões, o melhor lugar na arquibancada, a moedinha prateada. Foi quando o garoto, na saída, viu o anão do circo, distraidamente varrendo perto das jaulas. O guri disse: eu quero. O pai olha em volta, dá sinal (ou finge) que não entende. Ah, descobre a brincadeira, quer o anão? Não, o anão não. É propriedade do circo, entende?
Mas o pimpolho, o choro, o escândalo. O pai não vê outra saída. Além do mais, roubar o anão é mais fácil do que uma girafa.
O homem e seu filho rondam o anão. Olham pros lados, o pai mostra o modo certo de se cercar um anão, o homenzinho nota a caçada, começa a berrar, quase não vê saída: mínimo, tenta entrar na jaula do leão. É pego pelo pé, se debate. Me ajuda, Júnior, aqui, assim, e o pai, prestimoso, enfia o anão por dentro da camisa. O anão vê que de uma lona maior de circo, parou em outra. Pano amargo, esta vida.
Em casa, dias de empolgação. O anão dá cambalhotas, faz palhaçada, sobe pelas paredes. Eles riem, pai, mãe, filho. Depois trancam o anão no quarto dos fundos. No fim do dia, o anão maldiz a vida num lamento diminuto, enquanto pela noite voejam os sons do ferro e do pano, dos caminhões que recolhem o circo.

André Ricardo Aguiar

2 comentários:

Anônimo disse...

Desde já este anão fica na minha lista de preferidos. A linguagem está límpida e seca - no ponto a que só os bons contistas chegam. A trama bem condensada no curto espaço - como uma casinha de anão. Nada sobra, nada falta. Um soco completo no meu olho leitor. E o que eu mais gosto é de ler você e ver estrelas ...

Anônimo disse...

Uma visão ácida, mas com tema saboroso e leitura fast-food. De estalar a língua. Parabéns!