quinta-feira, agosto 24, 2006

O silêncio do vulcão


Para Ryta de Cassia
in memorian




A gente olha as montanhas e admira sua imobilidade. Imagina estar diante de um monumento natural à paz. A imensidão da pedra fria faz esquecer que a montanha foi expelida da terra com a violência de mil tormentas. Foi o fogo, o caos da terra rompida que a fez tão grande. Muitas eras foram necessárias até que a pedra deixase de fumegar. Só então pulsou serena.
Hoje, Luzia me diz “Quero que me olhem e vejam uma montanha”.
Se tivessem matado um filho meu, eu também ia querer virar pedra. Olhar nos olhos de Luzia é mergulhar numa dor tão profunda, num susto de tamanha extensão, numa brutalidade tão pura que não há carne nem osso que agüente.
Ela é pedra porque ficou cristalizada no limiar do horror. É pedra porque diante das grandes derrotas só resta a impassibilidade: uma forma mais branda de morte.
As montanhas surgiram assim: expelidas da terra com a força de mil tormentas. Foi o fogo, o caos da terra rompida que as fez tão grandes.
Luzia hoje é muito maior do que era antes.

Rosa Amanda Strausz

4 comentários:

Anônimo disse...

Crônica ou conto, miniconto? Não importa: importa o texto, seu vigor, seu rigor. Sua plasticidade sonora. Um cheiro natalense, comadre.

Anônimo disse...

Sempre me impressiona o modo de transferir significados de um campo a outro, sem perda da unidade. Raiz de muitos mitos, a simbologia da montanha usada para transceder, numa frase lapidar, a fruição deste conto doloroso como pedra. Gostei bastante!

Anônimo disse...

Haja abismo! E linguagem para flutuar sobre ele sem jamais cair. Adorei o conto.

Anônimo disse...

Passear por aqui é sempre um prazer inenarrável!!!!
beijos, amiga!