
Uma noite encontrou o Pescador sentado na beira do sofá. Vara de pesca em punho, jogava a linha no fundo da sala e, intruso, esperava. Ficou sem saber o que dizer. Não conseguiria removê-lo do sofá. Com o passar dos dias, acabou aceitando a convivência. Mas evitava-o. Pôs a tv no quarto, em respeito ao silêncio do Pescador. E lia Hemingway na cozinha.
Era difícil suportar aquele código de espera, a economia de movimentos, o respirar matemático do sujeito. Além disso, aqui e acolá, surpreendia a linha costurada à sombra dos móveis, a tecer emboscadas. De uma feita, tomou do anzol sua meia de lã. Outro instante, feriu o tornozelo ao sair do banheiro. O Pescador apenas desenrolava ou enrolava o molinete, trepado no sofá, como se fosse um barco imóvel. Perscrutando os cômodos da casa.
Um dia o homem trouxe uns bolinhos de bacalhau.
Cuidando não se enredar na linha espalhada ali, foi desembrulhando a gula. Na cozinha, longe do olhar alheio, mordeu o primeiro pedaço. Mas quando sentiu um forte repuxo, debateu-se, o gosto metálico do anzol no céu da boca.
Em vão. Fisgado até a sala, arrastado pelo chão, foi pego com mãos fortes e rudes pelo Pescador, que o colocou no cesto, pôs fim à pescaria e sumiu.
André Ricardo Aguiar
Ilustr. A. Jasinski
6 comentários:
Conto perfeito pra animar a gente num começo de semana chuvoso... dá pra ficar feliz e aliviada de que o pescador ainda não tenha aparecido na minha casa! Imaginação, imaginação, imaginação é o que nos salva e salvará!
O conto chega de mansinho, com cheiro de mar, e sem mais nem menos fisga a gente pelo pé e joga no mais puro horror. E ainda com a tirada humorística do bolinho de bacalhau! Em poucas linhas, emociona, faz rir e assusta.
Ainda não li. Mas amanhã vou! Muitas felicidades, cara, nesta nova etapa. abração!
que feliz surpresa, ler seu conto!
seus escritos não param de crescer!
continuarei voltando
abs
Silidão submersa é baum
assim como café
quentinho
com bolo de fubá
Genial, hehe. Meus parabéns, soa como monotonia essa coisa de pesca. Parabéns!
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