quinta-feira, julho 27, 2006

Como dobrar 1.000 cisnes


O primeiro livro de origami foi publicado em 1797 e ensinava a dobrar mil cisnes encadeados. Na época, acreditava-se que se uma pessoa dobrasse mil cisnes teria um pedido atendido.
Antero, o ascensorista, desconhecia a informação e jamais tinha visto um exemplar do Hiden Senbazuru Orikata. Aproveitava o tempo passado entre um andar e outro para escrever poemas e treinar a letra. Ruins os poemas, linda letra, ele bem sabia. Ao terminar de escrever cada um, aproveitava uma parada do elevador e jogava a folha na lata de lixo sem nem se dar ao trabalho de amassar o papel.
Maria Imaculada, a moça da limpeza, adorava os papéis quase transparentes desenhados com a letra barroca de Antero. Costumava utilizá-los para envolver os ovos que sua galinha botava antes de devolvê-los ao ninho. Como era analfabeta, não lia os poemas. Nem por isso, deixava de recolher cada lâmina. A Ode ao cisne morto foi usada como invólucro para o 997º ovo. Soneto do vôo impossível embrulhou o 998º . Coragem, o 999º.
No dia em que nasceu o milésimo pinto, Antero conseguiu enfim escrever um bom poema e Maria Imaculada já tinha juntado dinheiro suficiente para comprar sua casa. Nenhuma surpresa, já que tanto um como outro tinha trabalhado duro. Neste dia, não teve papel bonito na lixeira nem ovo embrulhado.
Na barriga da madrugada, sem que ninguém observasse, lindo mesmo foi ver o pinto romper a casca do ovo com bicadas decididas e uma altivez surpreendente. Sem folha de proteção, sem caligrafia enfeitada, sem empecilhos. Só uma vontade atávica de empinar o peito e ir em frente – mesmo sem ter muita certeza de que algum dia poderia voar.

Quem quiser começar a dobrar seus mil cisnes, pode consultar a edição fac-similada do Hiden Senbazuru Orikata que se encontra em:
http://origami.gr.jp/Model/Senbazuru/index-e.html
A ilustração acima foi retirada de lá.

Rosa Amanda Strausz

10 comentários:

Anônimo disse...

Cara Rosa,
meus parabéns por esta maravilha. Dá um empurrãozinho, uma vontade de escrever e escrever... escrever até mil pra quem sabe surgir algo bonito e bem feito como esta bela fábula. Este blog já me ganhou, estarei sempre aqui.
Parabéns!

Anônimo disse...

Eu só tinha conseguido dobrar 534 cisnes, mas meu pedido já foi atendido: toda segunda e quinta recebo um texto encantando que, lido três vezes, em tom de canto chão, me sopra para cima, lá pras alturas!

Anônimo disse...

Aliar informação e narrativa, trazer à tona a mágica do número milenar, criar histórias dentro da história e gerar a vida pela e para a palavra, só uma Scherazaade moderna e carioca para dar conta e conto. Me dobro por este belo texto!

Anônimo disse...

Quantas belezas ainda por vir? E nem se pode dizer que um conto desses é "muito" belo...se ele é "completamente" belo, não há lacuna que pudesse ser preenchida mais! E ainda fiquei curiosa imaginando como seriam os poemas do ascensorista.

Anônimo disse...

Minha cara: a delicadeza de sempre, as palavrs exatas, a escrita que se desdobra com sutil agenciamento temático. Enfim, um belo texto. Beijos.

Anônimo disse...

Minha cara comadre: Há um conto seu no Balaio de hoje. Depois será a vez do seu companheiro de Fábula literária, o André Ricardo Aguiar. Tenho que pedir autorização diretamente a ele? Beijos.

Fugu disse...

Cheguei aqui de trampolim, depois de passar pelo Balaio Vermelho de mestre Moacy. Vou voltar mais vezes.

Anônimo disse...

Moacy, meu querido. Adorei ver meu continho publicado na Balaio. Acredito que o André também goste muito de ver o dele por lá. beijos!

Anônimo disse...

Vim através do Moacy e adorei te ler. Lindíssimos textos. André eu já conhecia, de outros poemas, além da doçura e meiguice que lhe é peculiar. Parabéns, Rosa.

Eduardo Costa disse...

Vou prender os meus cisnes com cadeias de suspiros e inquietações... com alguma paixão, sem esperar muita coisa. Mil é um número que ultrapassa meu entendimento.