quinta-feira, julho 20, 2006

Basta um segundo

Estava ali, escondida atrás da orelha do gato, tinha certeza. Mas agora, havia sumido. Uma porção de gente rodeava o bicho atropelado, já quase morto. Todos a olhavam interrogativos, quase hostis. Se não era veterinária e nem dona do animal, por que abrira caminho às cotoveladas e se agachara ali?
Alice ergueu-se, meio acuada. Pediu desculpas e afastou-se. Mas não muito. Continuou olhando a cena de longe. Assim que o gato estremeceu pela última vez, as pessoas começaram a ir embora. E ela voltou. Sabia que estava ali. Ajoelhou-se, esquadrinhou com a ponta dos dedos o pêlo já frio e puxou a idéia prontinha:
“Basta um segundo.”
Apertou o passo, disfarçou o nervosismo e prosseguiu seu passeio. Poucas quadras adiante, um rapaz oferecia um bombom a uma moça sorridente. Mais uma vez Alice se apressou. Sabia que existia uma frase flutuando entre a boca da moça e o chocolate.
Precisava pegá-la antes que os dentes a rasgassem.

Rosa Amanda Strausz

10 comentários:

Anônimo disse...

Será que quando eu crscer vou ser capaz de inventar coisas tão malucas e belas como voc6es inventam?

Márcia Maia disse...

Uma jóia. Mais uma presse blog belo.
Ah, sem falar, André, na sua orta e nessa Pescaria que eu amo de paixão.

Beijo grande.

Ah, e devidamente linkado tanto no tábua de marés quando no mudança de ventos.

Anônimo disse...

Belo, belo, belo e assustador ao mesmo tempo. Tem uma sombra de ameaça no ar. Ao mesmo tempo é singelo ao mostrar a busca do escritor, que descobre sua matéria-prima espalhada pelo mundo. O que será que h´´a nessas descobertas que assusta tanto a quem não as descobriu? Ih ... estou viajando demais hoje ... hehehe

Anônimo disse...

Imprevisível. e muito interessante. parabéns

Anônimo disse...

Uma idéia feliz passeia neste pequeno conto, uma absurda e engenhosa forma de tratar seres e significados numa mesma dimensão. Não importa a mudança brusca de foco, desde um gato morto a um casal, tendo como testemunha uma Alice (reverberando Carrol) em suas descobertas em mais uma estadia na linguagem plena de cotidianos. As imagens dizem este algo mais que escapa à maioria: um pouco o sentido da arte, retirar em meio às porções o toque levíssimo e vigoroso de uma idéia original.

Anônimo disse...

Bonito, gostoso de ler... Bem Poético. Parabéns!

Anônimo disse...

Minha comadre: Que coisa mais bonita... Um primor. Posso reaproveitá-lo no Balaio? Outra coisa: Isadora adorou o seu livro. Acho que, agora, chegou a minha vez de lê-lo. Beijão.

Anônimo disse...

Moacy, o Balaio não reaproveita textos, mas dá a eles lugar de honra.

um beijo

Anônimo disse...

Bonito e surpreendente como você, minha flor do prado. Beijos.

Anônimo disse...

Rosa, menina, li cinco vezes seguidas! A última em voz alta. Sugiro a todos.