segunda-feira, dezembro 11, 2006

Moonlight Serenate

Lua morta*

A noite é fria e carregamos os instrumentos. Bandolim, cavaquinho, violão, uma flauta. Nós somos um grupo coeso e vivemos conforme a música. Aí pintou um serviço, família de conceito, menina romântica, bairro distante. Então conversamos, acertamos a música, que tipo de andamento e tal e torcemos, torcemos muito por uma noite de lua morta, baça, escondida.

Rua torta*

O caminho é um samba de crioulo doido. É um bairro de classe média baixa, cheio de ruas tortas, ladeiras, um ou outro trecho mal formado. O rapaz do violão diz, meio que brincando, que o bairro é assombrado pelos fantasmas de antigos traficantes. Não brinca, cara. Aí dobramos à esquerda e na última esquina, afinamos os instrumentos: estilete, alicate, chave inglesa.

Tua porta*

Quando chegamos defronte a casa, tomamos o cuidado de uma inspeção ampla. Nenhuma alma na rua. Começamos baixinho com uns dedilhados. Quando, em crescendo, espero lascar com meu vozeirão, quando as primeiras pupilas das janelas acendem, eu dispenso um e outro, que dão a volta na casa. O combinado – o código musical – será tocado no momento certo. Lá estão o pai, a mãe, a filha e a empregada pendurados nas janelas. Eles riem embevecidos da serenata. Aumentamos o tom, quando sentimos, pelo compasso, que o serviço está para ser feito. Não se ouve nada, não há latidos de cães, e nos fundos da casa, a música chega no calculado refrão, indicando que podem dar conta, fazer a feira, raspar o tacho. Depois, recolhemos os instrumentos e nem sequer aceitamos as gorjetas. Saímos de fininho.

Contamos o produto, dividimos com justeza e olhamos pros lados, meio temerosos dos assaltos. Descemos o caminho de volta com a sensação dupla: dançamos conforme a música e eles dançam juntos.

*(Conto a partir do poema de Cassiano Ricardo, Serenata Sintética)

André Ricardo Aguiar

2 comentários:

Anônimo disse...

Meu caro, belo conto. Foi parar no Balaio. Um grande abraço.

Ricardo Mainieri disse...

André :

Este tema Dôra me falou numa sexta-feira, antes do Natal.
Saí de viagem, mas amo este haicai, feito las nos anos trinta...
Interessante tua abordagem.
Vamos fazer assim, qdo. te lembrares manda os temas do CLube para meu e-mail.Se Dõra esquecer, vc. lembra...(rs)

e-mail : mainieri@dmae.prefpoa.com.br

Abração.

Ricardo Mainieri